A musicalidade e orixalidade no filme Barravento: a pedagogia do cinema negro
Palavras-chave:
Musicalidade. Orixalidade. Barravento. Africanidade. Dimensão pedagógica do cinema negroResumo
Este artigo tem com o objetivo demonstrar que a realização de Glauber Rocha em Barravento, filme de 1962, contém um elemento pouco discutido no seu trabalho: a musicalidade. A presença da instrumentalidade musical nesse título do Cinema Novo aparece como uma dimensão da orixalidade. A ritualidade afrodiaspórica se dá num processo da corporalidade negra, em que a música e a dança se estabelecem como uma solução indissolúvel nas culturas bantu, sendo aqui um traço da herança da africanidade. Em Barravento, confirmamos a tese de Prudente de que o negro é referencial estético do Cinema Novo de Glauber Rocha e levantamos em que medida essa musicalidade é essencial na ontologia do afrodescendente. Para nossa percepção, a tamboralidade negra traduz os valores fundamentais da africanidade que estão presentes nos folguedos carnavalescos que têm origem no ticumbi bantu. Para além do fator da ritualidade, que não é pouco, o artigo sugere que, na musicalidade dada por uma demanda da orquestra das divindades africanas, o sentido de união aponta para um ideal de resgate da família negra que foi vítima da tentativa de fragmentação imposta pela violência da escravidão. Esse resgate familiar é mimetizado na dinâmica do negro como sujeito histórico na função educativa dessa tendência cinematográfica, caracterizada na categoria conceitual de dimensão pedagógica do Cinema Negro.
Downloads
Referências
A SAÍDA dos operários da fábrica Lumière. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=4jmCFzzCQvw. Acesso em: 12 jun. 2022.
BAKHTIN, M. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento. Tradução Yara Frateschi Vieira. São Paulo: Hucitec; Annablume, 2002.
BARRAVENTO. Direção: Glauber Rocha. Salvador: Produtora Iglu Filmes Produção, 1962. (80 min).
BERIMBAU. Intérprete: Olodum. Compositores: P. Onassis, Marquinhos e G. Menegue Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=jqkpCY3MQuU. Acesso em: 3 out. 2021.
CANTOS de trabalho: Cana-de-açúcar. Direção: Leon Hirszman. Produção: Departamento de Assuntos Culturais. Brasília: Plano de Ação Cultural-MEC, 1975. cor, 10 min, 35mm.
CANTOS de trabalho: Mutirão. Direção: Leon Hirszman. Produção: Departamento de Assuntos Culturais. Brasília: Plano de Ação Cultural-MEC, 1975. cor, 12 min, 16mm ampliado para 35mm.
CANTOS de trabalho: Cacau. Direção: Leon Hirszman. Produção: Departamento de
Assuntos Culturais. Brasília: Plano de Ação Cultural-MEC, 1976. cor, 11 min, 16 mm ampliado
para 35 mm.
CARYBÉ; VERGER, P.; CAYMMI, D. Mar da Bahia. Salvador: Fundação Pierre Verger, 2012.
CASTILHO, S. D. de. Quilombo contemporâneo: educação, família e culturas. Cuiabá: EdUFMT, 2011.
CAYMMI, D. Itapoã. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=1xCwfvLEPVM. Acesso em: 5 jun. 2022.
CINCO vezes favela. Direção: Marcos Farias, Miguel Borges, Cacá Diegues, Joaquim Pedro de Andrade, Leon Hirszman. Produção: Centro Popular de Cultura (CPC) da União Nacional dos Estudantes. Rio de Janeiro: Centro Popular de Cultura (CPC) da União Nacional dos Estudantes, 1962. (92min).
CONTO de areia. Intérprete: Clara Nunes. Compositores: R. Bastos e T. Nascimento. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=2e5r8_kbH24. Acesso em: 5 jun. 2022.
FINA beleza. Compositores: A. Brasil e C. L. Prudente. Disponível em: https://www.youtube. com/watch?v=_tZHSK-8uuQ. Acesso em: 5 jun. 2022.
GERBER, R. Glauber Rocha e a experiência inacabada do Cinema Novo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997. (Coleção Cinema, v. 1).
GROUT, D. J.; PALISCA, C. V. História da música ocidental. 5. ed. Lisboa: Gradica, 2007.
KARASCH, M. C. A vida dos escravos no Rio de Janeiro (1808-1850). São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
MARTINHO, N. J.; PRUDENTE, C. L.; SILVA, D. C. Maracatu: uma marca cultural ibero-ásio-afro-ameríndia no carnaval do nordeste. Revista Extraprensa, v. 14, p. 313-327, 2020. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/extraprensa/article/view/174628. Acesso em: 23 jun. 2022.
MAUSS, M. Ensaio sobre a dádiva. Forma e razão da troca nas sociedades arcaicas. In: MAUSS, M. Sociologia e antropologia. São Paulo: Edusp, 1974. v. II. p. 183-294.
MUKUNA, K. wa. Contribuição bantu na música popular brasileira. São Paulo: Global, 1979.
PRUDENTE, C. Arquibancada alegre de reserva, escola de samba: uma contribuição ao estudo de alguns aspectos socioculturais para a compreensão do dilema do negro brasileiro. In: PORTO, M. do R. S. et al. (org.). Negro, educação e multiculturalismo. São Paulo: Panorama, 2002. v. 1, p. 85-98.
PRUDENTE, C. Barravento: o negro como possível referencial estético do Cinema Novo de Glauber Rocha. São Paulo: Editora Nacional, 1995.
PRUDENTE, C. Arte negra: alguns pontos reflexivos para a compreensão das artes plásticas, música, cinema e teatro. Rio de Janeiro: Ceap, 2007. 53 p.
PRUDENTE, C. Futebol e samba na estrutura estética brasileira: a esfericidade da cosmovisão africana versus a linearidade acumulativa do pensamento ocidental. In: PRUDENTE, C. Cinema Negro: algumas contribuições reflexivas para compreensão da questão do afrodescendente na dinâmica sociocultural da imagem. São Paulo: Fiuza, 2008. p. 119-148.
PRUDENTE, C. Tambores negros: antropologia da estética da arte negra dos tambores sagrados dos meninos do Morumbi: pedagogia afro. São Paulo: Fiuza, 2011.
PRUDENTE, C. A dimensão pedagógica da alegoria carnavalesca no Cinema Negro enquanto arte de afirmação ontológica da africanidade: pontos para um diálogo com Merleau-Ponty. Revista de Educação Pública, v. 23, p. 403-424, 2014. Disponível em: https://periodicoscientificos.ufmt.br/ojs/index.php/educacaopublica/article/view/1624/1252. Acesso em: 26 jan. 2020.
PRUDENTE, C. A dimensão pedagógica do Cinema Negro: a imagem de afirmação positiva do ibero-ásio-afro-ameríndio. Revista Extraprensa, v. 13, n. 1, p. 6-25, 2019. DOI 10.11606/extraprensa2019.163871.
PRUDENTE, C. A fragmentação do mito da democracia racial e a dimensão pedagógica do cinema negro. Revista Internacional em Língua Portuguesa, n. 38, p. 157-171, 2020. DOI 10.31492/2184-2043.RILP2020.38/pp.157-171.
PRUDENTE, C. L. A imagem de afirmação positiva do ibero-ásio-afro-ameríndio na dimensão pedagógica do Cinema Negro. Educação e Pesquisa, v. 47, p. e237096, 2021. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/ep/article/view/193616. Acesso em: 23 jun. 2021.
PRUDENTE, C. L.; COSTA, H. Escolas de samba: comunicação e pedagogia para a resistência do quilombismo. Revista Extraprensa, v. 14, p. 272-292, 2020. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/extraprensa/article/view/174392. Acesso em: 23 jun. 2021.
PRUDENTE, C. L.; VARGAS, A. S.; MARTINS, M. A musicalidade negra no documentário “Samba-Reggae: a Arma é Musical”, um diálogo do cinema negro e a tamboralidade africana. In: PRUDENTE, C. L.; ALMEIDA, R. (org.). Cinema Negro: educação, arte, antropologia. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2021. p. 98-124. Disponível em: http://www.livrosabertos.sibi.usp.br/portaldelivrosUSP/catalog/view/713/634/2379. Acesso em: 10 jun. 2022.
RÁDIO USP. Quilombo Academia. Jorge Ben. Direção de Celso Luiz Prudente. Assistente de direção Anderson Brasil e Alexandre Siles Vargas. Disponível em: http://jornal.usp.br/radiousp-sp-aovivo.html. Acesso em: 23 jun. 2021.
RIBEIRO, R. I. Alma africana no Brasil. Os iorubás. São Paulo: Oduduwa, 1996.
SCHAFER, R. M. O ouvido pensante. São Paulo: Editora Unesp, 1991.
SCHAFER, R. M. A afinação do mundo. São Paulo: Editora Unesp, 2001.
SCHAFER, R. M. Vozes da tirania: templos do silêncio. São Paulo: Editora Unesp, 2019.
VERGER, P. F. Orixás: deuses iorubás na África e no Novo Mundo. Salvador: Corrupio, 2002.
VERGER, P. F. Lendas dos orixás. 4. ed. Salvador: Corrupio, 2011.
Downloads
Publicado
Como Citar
Edição
Seção
Licença
Copyright (c) 2023 Celso Luiz Prudente
Este trabalho está licenciado sob uma licença Creative Commons Attribution 4.0 International License.
A Revista TRAMA Interdisciplinar reserva os direitos autorais das contribuições publicadas em suas páginas. Esses direitos abrangem a publicação da contribuição, em português, em qualquer parte do mundo, incluindo os direitos às renovações, expansões e disseminações da contribuição, bem como outros direitos subsidiários. Autores têm permissão para a publicação da contribuição em outro meio, impresso ou digital, em português ou em tradução, desde que os devidos créditos sejam dados à Revista TRAMA Interdisciplinar. O conteúdo dos artigos é de responsabilidade de seus autores.